terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Poema Gay, de Glória Horta


Poema Gay

O falo é um fardo
o corpo, a farda da farsa,
e eu sou o grito, o berro, o urro, o erro
minhalma é uma menina e meu corpo uma mentira
não sou homem nem mulher 
um ser que sobra e falta e desencontra 
num mundo diferente de todos os mundos, 
o que me conduz é a impossibilidade 
o que me reduz é a incompreensão
olham-me como se eu fosse um bicho de outra espécie
e riem e criticam e excluem e odeiam
como se eu fosse um pecado, um errado, doente ou sacana.

Pobre de nós, 
mulheres encarceradas em corpo que não é o nosso
como uma alma penada
sapato apertado que não nos pertence
assim eu me sinto cheio de calos,
sufocado, asfixiado, apaixonado 
e o espelho me nega
e eu me acho um bicho de outra espécie, 
pecado, errado doente ou sacana. 
Ah, mas às vezes
eu penso que sou uma mulher enfeitiãda 
que teve alterada sua forma 
mas que um dia vai se quebrar o encanto 
e todo esse engano vai acabar 
como se eu tivesse sido sempre uma menina encantada. 

Que troca de embalagens foi esta aí dos deuses
que já me mandaram nascer nesse mundo enjoado
com desvantagem 
encarnando minhalma em corpo errado 
como se houvesse um corpo de homem sobrando
e uma alma feminina condenada?

Autora : Glória Horta                  
Do livro: "Sangria", Ed. Achiamé, 1984, RJ  

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Também amei, por isso publiquei. A Glória Horta tem ótimos textos. Escreve muitíssimo bem!

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Três beijos,
Garoto Avesso.