quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Telhado branco...


Já se passavam das 4:30 da manhã. E eu não tinha conseguido dormir quase nada, aliás, não fechei os olhos em nenhum momento. Em minha cabeça milhares de palavras gritavam  e lutavam contra os meus neurônios, e os mesmos afligiam a minha consciência; todo o meu ser. Foi a pior noite da minha vida. E, sobretudo, A PIOR NOITE DA MINHA VIDA. 

Ainda lembro de cada palavra: 
“... se meu filho fosse gay? Tá louca? Nós sempre educamos esse menino, não teria como ele ser gay...” 
Chorei muito, pois não é tão fácil ouvir um tornado de expressões desagradáveis.
“Se meu filho fosse gay o que a família iria pensar dele? O gay da família? Imagina os vizinhos falando dele nas esquinas. Pior, filho meu namorando outro homem? Nunca!"
Na cama, eu só olhava para o teto, cheguei a conclusão que o meu quarto era coberto por, exatamente, 650 telhas. Umas brancas e outras pretas devido a sujeira e a intensidade do sol. No chão alguns ratos caminhavam em busca de restos de comidas. E eu atrás de um alguém para me ouvir, para me aconselhar e consolar, para me entender. Cantei, chorei, ri, fiz tudo...
“Se meu filho fosse gay? Ah, seria pecado, né? Afinal não é permitido homem beijar homem e nem mulher beijar mulher. Afinal ambos foram criados para dar continuidade as outras gerações... Homem beija mulher e vice-versa. Não permitiria, de forma alguma, meu filho gays..."
Foi o pior dia da minha vida. Não foi você que ouviu do próprio pai diversas barbaridades. Eu estava entrando na cozinha, quando ele deu um tapa na minha mãe... Não consegui reagir, apenas fiquei observando. Ela estava tentando dizer que o seu filho - eu -  era gay, só isso. Mas ele muito machista e troglodita reagiu brutalmente.
“Se meu filho fosse gay... [...] Não saberia o que fazer com ele...”
Tudo o que sempre quis foi que os meus pais me aceitassem da forma como eu sou. Minha mãe, um dia fazendo uma limpeza no meu quarto, pegou um álbum com várias fotografias de um ex namorado com a seguinte frase na capa: "Raul, o meu amor". Tinha fotos da gente entre amigos, da gente se beijando... Ela perguntou quem era, e eu respondi dizendo que era o homem da minha vida. Ela apenas abaixou a cabeça e disse: "Que Deus lhe abençoe, meu filho" - esse foi o melhor dia da minha vida.

Naquela noite, pude perceber de forma bem nítida o preconceito que meu pai tinha com o homossexualismo - pois ele considerava uma doença. Ora, um sobrinho dele foi assassinado após sair de uma boate gay, em São Paulo. Meu pai vem de uma família com origens bem arcaicas, repleta de tabus. Cresceu ouvindo: "Mulher tem que lavar louça e o homem tem que trazer dinheiro pra casa. Homem casa com mulher..." Infelizmente ele é o reflexo de uma má educação. Mas mesmo assim, com todas essas 'justificativas', as pessoas eram para respeitar a condição de vida do próximo. 

Quando ele ouviu a palavra gay "em sua própria casa", foi como uma ofensa, como se eu fosse algo inanimado, algo que ele não queria por perto. 
"Como você poder dizer isso, Rita? Meu filho gay? Você não me respeita não?" 
Ele não me viu, mas eu estava atrás da porta ouvindo tudo. Cada palavra gritada era como se ele me batesse com o seu cinturão, a dor era a mesma, talvez até mais forte e intensa. A "conversa", briga entre eles durou cerca de 30 minutos. Após isso, ambos foram para o quarto. Ele pegou um lençol e dormiu no sofá. Eu, de forma bem rápida, fui para o meu quarto, fiquei trancado, como se estivesse aprisionando tudo o que queria para a minha vida, todos os meus sonhos. E lá fiquei até o dia seguinte. Aquela noite foi a pior da minha vida. 

Não sei se estava triste porque o meu pai não me aceitara, ou porque eu não era o filho que ele queria. Sei lá, momentos assim a gente pensa em tudo, sempre buscando entender algo que está confuso. Sempre imaginei trazendo um namorado para apresentar a minha família... Mas não posso...

[...]

Depois daquela noite, meu pai saiu de casa, minha mãe ficou calada por meses... Talvez a culpa de tudo foi minha (?). Ninguém conseguiu entender a minha forma de ser feliz. Minha mãe aceitou, mas não comentava e não perguntava nada. Preferia 'fingir' que não sabia... 

[...]

Hoje sou formado em Economia, tenho um esposo - Pedro, o mesmo de sempre - , estamos pensando em adotar uma criança. Minha mãe está mais feliz, voltou a costurar, faz roupas para uma grife próximo ao seu apertamento que a presenteei em seu aniversário de 60 anos. Meu pai está por aí, não sabemos o local que se encontra. Sabemos que está vivo, pois ele deu uma reportagem numa rádio dizendo que tinha orgulho do filho gay que tem... Hoje não temos contato, ele ainda não consegue conviver com o filho gay que tá casado e que, provavelmente, terá um filho.

Ainda continuo contatando as telhas, só que do meu novo quarto. Hoje elas estão mais brancas. Talvez aquelas sujeiras fosse algo que estive me aprisionando por dentro...

3 comentários:

  1. Nossa adorei. Isso mostrar o quão a sociedade é preconceituosa com os gays. Bom texto, bom blog. Seguindo agora mesmo.

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  2. Profundo e ao mesmo tempo triste.

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    1. Ótimo que vocês gostaram, :) . Obrigado pela a visita. Voltem sempre.

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Três beijos,
Garoto Avesso.